Li agora pela manhã, num post de facebook em inglês, um poema lindíssimo de Rumi.
A Casa de Hóspedes
O ser humano é uma casa de hóspedes.
Toda manhã uma nova chegada.
A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.
Receba e entretenha a todos
Mesmo que seja uma multidão de dores
Que violentamente varrem sua casa e tira seus móveis.
Ainda assim trate seus hóspedes honradamente.
Eles podem estar te limpando
para um novo prazer.
O pensamento escuro, a vergonha, a malícia,
encontre-os à porta rindo.
Agradeça a quem vem,
porque cada um foi enviado
como um guardião do além.
— Rumi (Mestre sufi do séc. XII)
Esse poema me remete demais a tudo que venho transformando em mim e nos meus atendimentos desde que dei início à minha especialização em psicoterapia junguiana. Carl G. Jung era um grande defensor do politeísmo da consciência, desse entendimento lindo de que somos visitados por deuses, por mensageiros, que passam e despertam em nós reações e emoções. Sentimos desejo com uma visita de Afrodite, sentimos vontade de brigar com uma visita de Ares, nos entregamos à dança e à embriaguez com uma visita de Dionísio. Nos tempos gregos, nada do sentir nos pertencia, eram os deuses que nos inspiravam e moviam.
Hoje, infelizmente, para nosso detrimento, achamos que tudo pertence ao “eu”, temos um só deus habitando em nós, um deus que é dono de tudo… de toda tristeza, de toda angústia, de todas os grandes pensamentos, sacadas e façanhas. Mas essa inflação não nos ajuda, na verdade ela nos desespera.
Se tudo sou eu, o peso é muito, muito maior. É ótimo quando sou eu que sou incrível, mas como lidar com aquilo que toma conta de mim, aquele ou aquela que se apossa do meu corpo e faz coisas nas quais não me reconheço? Ou quando a tristeza é grande demais e não consigo me mexer? Ela é minha só? Ou é uma visita que veio se hospedar? E se o desânimo for um hóspede que traz uma mensagem, me conta uma história? Em vez de rechaçar ou eliminar, posso então escutar essas visitas, compreender a mensagem, a notícia que me trazem de coisas as quais preciso (ou precisamos – já que cada um de nós é múltiplo) rever.
Isso não quer dizer que o deus ou o visitante podem tomar conta de tudo na minha vida, ganhar tentáculos para permear cada cantinho, mas que cada um recebe sim seu altar, seu lugar de culto e de escuta.
Ao vermos essas chegadas como outras faces, outros em nós, criamos espaço para novas relações internas. Ao acolhermos e ouvirmos os guardiões do além, permitimos também que eles passem, que eles sigam seu rumo depois que a visita terminar.
