Categoria: xamanismo

Nosso aliado, o tambor

Uma das práticas mais antigas espirituais e culturais da espécie humana é produzir ritmos em um tambor. Especula-se que o primeiro tambor teria sido um tronco oco de uma árvore, e os primeiros ritmos produzidos, seriam o som das batidas do coração. Esse som é absolutamente reconfortante porque é o primeiro som que ouvimos, ainda no útero de nossas mães.

A união do espírito vegetal (madeira) com o animal (couro) e os efeitos dos sons produzidos no instrumento podem trazer inúmeros benefícios também para nossa sociedade exausta de trabalho e vazio de sentido. Pesquisadores apresentaram uma teoria no periódico Frontiers of Psychology sobre a natureza humana da música. Eles defendem que “nossa habilidade de criar e apreciar música está no centro do que significa ser humano”.

Pitágoras teria sido o primeiro a mencionar a música como algo curativo, mas técnicos de cura pelo som (sound healing) comprovam até hoje o quanto o ritmo pode curar a psique. A batida xamânica que fica entre 4 e 7 batidas por segundo é capaz de alterar as ondas cerebrais e, portanto, os estados de consciência. O som permeia ambos os hemisférios e equilibra o cérebro como um todo – o que é super difícil de conseguir na nossa louca vida contemporânea.

Além de autores como Michael Winkelman, que fala da ecologia neural da consciência e sua relação com a cura, explicarem que o tambor sincroniza as estruturas cerebrais e produz sentimentos de entendimento, integração, certeza e segurança que persistem mesmo depois da experiência sonora, neurologistas vêm estudando os benefícios dessa prática para a saúde. Alguns resultados mostram que participantes de rodas de tambor aumentam suas células T de defesa, que combatem vírus e câncer, e que também têm seus níveis de inflamação reduzidos. Outros benefícios que vêm sendo estudados seria na recuperação de pacientes com Parkinson ou que sofreram AVC.

O grande benefício que a gente sente imediatamente é o quanto essa ferramenta nos possibilita acordar para nosso interior. E esse é o maior presente para quem busca paz e conexão com o Sagrado. Sentir as vibrações das batidas em um djembe, bodhrán, bombo, tabla, taiko ou lakota acorda algo muito ancestral em nós, um reconhecimento que pode alimentar a alma e nos abrir para experiências não só de conforto e pertencimento a esta Terra, mas de transcendência e contato com outros planos.

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GEDE PARMA NO BRASIL

12604709_443667695824303_8155754261481628369_oEm novembro agora o querido e muitíssimo talentoso bruxo e autor australiano vem ao Brasil para uma série de workshops de aprofundamento no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Há anos, ele manifesta uma vontade imensa de conhecer o Brasil, e estamos muito felizes, eu, Wagner Périco e Cris Morgan (estes dois do espaço Via Paganus no Rio) em poder auxiliar com essa possibilidade, conectando o Gede com pessoas interessadas no trabalho dele por aqui.

Serão workshops bem focados em praticantes mais avançados, que terão a oportunidade de aprofundar técnicas de bruxaria extática e xamânica, pois são bastante vivenciais e exigem dos participantes uma boa experiência de trabalho com estados discretos de consciência.

Ele faz parte da Reclaiming, da tradição Wildwood da Austrália e iniciado em Anderean Craft. Não é conhecido amplamente no Brasil, mas tem quatro livros publicados pela Lllewellyn.

Novidades e ficha de inscrição você encontra na página sobre a turnê.

Inscrições e informações sobre os cursos do Rio de Janeiro (10 e 11 de novembro), entre em contato com o Via Paganus no email: viapaganus.rj@viapaganus.com

Inscrições e informações sobre os cursos em São Paulo (16, 18 e 19 de novembro) você encontra aqui 

Confira o vídeo da entrevista que fiz com ele sobre esta vinda:

 

Na casa dos espíritos – oferendas, trocas e sacrifício (um texto de Gede Parma)

*Gede Parma é um bruxo australiano, autor de quatro livros: Spirited – taking paganism beyond the circle; By Land, Sky and Sea – three realms of shamanic witchcraft; Ecstatic Witchcraft – magick, philosophy & trance in the shamanic craft; Magic of the Iron Pentacle, este último juntamente com Jane Meredith. Ele é parte das tradições Wildwood e Reclaiming. Mora atualmente em Melbourne, mas viaja constantemente para ensinar workshops e virá ao Brasil em novembro, oferecendo workshops em São Paulo, Rio de Janeiro e, possivelmente, Brasília. No intuito de que o trabalho sensacional que ele conduz seja mais conhecido dos leitores brasileiros, venho traduzindo alguns dos textos dele neste blog, com autorização e amizade do autor. Para saber mais, visite o website do autor e leia também os outros textos dele já publicados aqui no Elemento Chão.

 

Na casa dos espíritos – oferendas, trocas e sacrifício

27 de novembro de 2012 (leia o original aqui)

Observação: Este ensaio é reforçado pelas minhas experiências como bruxo da tradição WildWood, portador das cargas de curandeiro e de xamã, e como trabalhador do plano espiritual e receptáculo (possessório e oracular) entre os mundos.

Este ensaio é dedicado a Pipaluk – meu querido amigo, aluno e professor.

Alguns meses atrás, tive um debate, dentro de uma situação de ensino do ofício xamânico (via Skype) com meu aluno à distância, Pipaluk, que mora na Holanda. Falávamos dos conceitos mais amplos do xamanismo, relacionados ao entendimento vivencial da Divindade, dos Deus, dos Espíritos e nossa conexão com eles enquanto bruxos xamânicos e selvagens. Afinal, somos tradicionalmente trabalhadores do plano espiritual. Tudo é espírito; tudo é Deus. Esse é um conceito chave em uma variedade de tradições contemporâneas da Arte, inclusive na Wildwood e Anderson Feri. Como Victor Anderson, um dos últimos grandmasters da tradição diria, nós bruxos temos mais em comum com os Shinto e os Ainu do Japão do que com os magos cerimoniais da Europa medieval. Trabalhamos com o ímpeto dinâmico e residimos no centro imóvel e caótico do cosmos vivo, tal como seres presentes, alinhados e sagrados (cientes disto e experientes nessa consciência) em vez atuarmos como ditadores de uma máquina ordenada e mecânica. Reconheço que esta última é uma representação radical das tradições de magia cerimonial como um todo, mas estou me referindo a uma compreensão e prática populistas e quiçá equivocadas dos sistemas de Ocultismo/Esoterismo Ocidental, em oposição aos verdadeiros adeptos que já conheci e respeito.

Antes que possa abordar a natureza de Oferendas, Trocas e Sacrifícios no contexto das relações com as entidades, preciso primeiro definir o que quero dizer por Espírito, e até mesmo, “Divindade” ou um Deus.

Um Espírito é uma potência/força incorporada (tudo é físico, tudo é possuidor de [um] corpo); um senso de percepção de si reside nesse Espírito e é sua qualidade animadora. Isso não precisa ser necessariamente medido ou quantificado pelos conceitos racionalista-científicos de “sensciência”; por exemplo, uma pedra é um espírito porque se expressa como possuindo forma e corpo e tem noção de si como pedra e apresenta esta natureza.

Uma Divindade (Deus/a) é um espírito que é tão ciente de suas origens auto-provocadas que, assim como a Mãe Primordial/Grande Deusa, fica tão inebriada por sua própria imagem e reflexo causados pela Dança Luminosa (matéria estelar) que as bordas fenomenais de “pessoalidade” se dissolvem e se acomodam de tal forma que o Deus se torna uma História (Pró)Ativa; um Altar de Mitos. Tudo isso é de uma realidade das mais profundas.

Todas as deidades, dentro dessa compreensão e relação Experiencial, Ontológica e Teológica são portanto “crísticas” (relativo aos ensinamentos da natureza divina no místico) no sentido de que há um sacrifício consciente das “bordas fenomenais” do estar-humano a serviço e celebração dos Povos Conscientes. Com frequência sinto que algumas divindades, alguns Deuses (uso esse termo de uma forma contendo nenhum e todos os gêneros ao mesmo tempo), estão mais próximos de nossa humanidade do que outros; de fato, alguns desses Grandes Espíritos (Potências Ocultas), segundo alguns ensinamentos e lendas tradicionais, um dia foram humanos. Somos todos Deuses em formação, afinal somos feitos à imagem e semelhança Dela, e como diria T. Thorn Coyle: “A Deusa em si está em processo de formação”.

Isso é, de certa forma, uma perspectiva místico-iniciatória e voltada aos Mistérios; entretanto, deriva de minhas próprias experiências como um bruxo xamânico e um trabalhador espiritual tradicional. Compreendendo o que digo acima, como não fazer oferendas aos Deuses, aos Grandes Espíritos, a Todos os Espíritos, pois quando entro em Suas Casas, tenho acesso ao Atemporal, ao Mítico, à raiz das histórias. Talvez cada divindade individual – Kali, Odin, Lugh, Iemanjá, e todos os outros – beba de certas qualidades eternas e emanações da Deusa em Si, e assim se torna possuidor daquilo que o falecido Carl G. Jung chamou de arquétipos, que não residem apenas em nossas mentes pessoais, mas no “Inconsciente Coletivo”, que permeia cada um de nós –surgimos da Escuridão Inconsciente que é o espaço sem fôlego da Deusa. No entanto, levando isso em consideração, também é verdade para mim que a Deusa é o Todo Divino, é plural e infinita em uma miríade de expressões e portanto, Todos os Espíritos (todos nós) possuímos uma história muito única, sagrada e potente de nosso Próprio Self Sagrado. Muitos rios saindo e voltando do grande oceano.

Quando adentro a Casa do(s) Espírito(s), e entro no templo de Afrodite (talvez, como faço muitas vezes), levo uma oferenda de forma, e de força, para simplesmente expressar meu amor e adoração da potência, história e fonte mítica profunda que é Afrodite. Esse é o primeiro tipo de oferenda, uma simples expressão de gratidão por dividir espaço sagrado e tempo, com uma adoração ao Espírito Sagrado do Deus. Ele vem do Meu Deus (minha Alma Estelar, meu Eu Superior mais Profundo) e portanto é uma consolidação da ponte que conecta nossos espíritos. Isso é, como se diz, educado, mas não feito por obrigação ou necessidade. Quando visitamos a casa uns dos outros no plano humano, muitos de nós levam presentes de comida, bebida, arte e até histórias para contar. Todas essas oferendas são maravilhosas para se compartilhar.

Há oferendas para fechar um “acordo” ou trabalho de troca que vai acontecer entre espíritos. Essas oferendas vêm de um entendimento de que é “correta”uma “troca de energia” entre os espíritos. Agora, um pagão que não seja bruxo, curandeiro ou xamã, pode sentir que estejam aplacando os espíritos ao fazer isso e garantindo a benevolência deles para um novo ciclo. Um Bruxo sabe que os Espíritos (não todos) na verdade desejam estar em relação com a gente, e assim essa troca é feiticeira no contexto de trabalho, preces/expiações. O tipo de oferenda vai depender se a pessoa está calcada nos costumes e tradições (o que se sabe que o espírito aprecia como oferenda/troca com base em uma relação contínua e de observância) ou num diálogo pessoal com o(s) espírito(s). Eu, por exemplo, sou um sacerdote-amante do deus Hermes e mesmo sabendo, já por conta de oito anos de oferendas e sacrifícios para Hermes no âmbito da gratidão, adoração e troca mágica, aquilo que Ele adora e prefere, Hermes também é brincalhão, engraçado e sensual, sendo assim, recentemente, quando perguntei ao Deus o que Ele gostaria em troca de preces atendidas e auxílio nos meus trabalhos, expressou que gostaria muito de fazer amor comigo diretamente. Na verdade, isso ficou marcado para amanhã à noite (uma quarta-feira), mas já aconteceu espontaneamente várias vezes antes. Também recentemente, depois de proteger o carro do meu amigo que estava destrancado em um lugar meio perigoso e garantindo que o veículo permanecesse lá, decidiu que ele queria que eu, em troca, me aproximasse do próximo papagaio que eu visse com plumagem vermelha e verde (e com toques de azul) e sussurrasse para o bicho: “Desastre é uma coisa engraçada”. Aceitei o desafio! Na noite seguinte, eu estava assistindo um episódio qualquer de Family Guy, e o personagem Peter decide se tornar um pirata por causa de um papagaio incrível que conheceu na clínica veterinária. O tal papagaio era vermelho e verde (com toques de azul) e eu logo reconheci a natureza brincalhona e cômica dessa sincronicidade, então gatinhei até a TV e sussurrei “Desastre é uma coisa engraçada” para o papagaio na tela. Trabalhar com os espíritos não carece de acontecimentos risíveis e bizarros.

E quanto ao sacrifício? Que é tornar sagrado? Esse é um mistério. A verdadeira natureza do sacrifício diz respeito a estar disposto a ficar aberto, vulnerável e confiar, rendendo-se ao mistério, sob os auspícios de sua própria Soberania; se não temos nossa Soberania, então de que vale o sacrifício? Não farei sacrifícios, como mencionado acima, para apaziguar ou aplacar necessariamente algo, pois o conceito de antropomorfizar as forças cósmicas, muitas das quais são Deuses e Grandes Espíritos, é ridícula em seu evidente antropocentrismo; nem tudo é padronizado ou qualificável, no cósmico, por meio de sua relação com nossa espécie. Sendo assim, sacrifício é uma vontade em entrar no Caos e Incerteza (infinitas possibilidades) com o outro. Sacrificar-se é pausar por um momento sagrado, ficar em silêncio e conscientemente observar e escutar. Ali aprendemos, e o mistério flui, e recebemos iniciação múltiplas vezes como um presente da Graça. Oferecemos sacrifício para marcar o significado profundo e poderoso dessas epifanias, e uma grande potência é liberada para alimentar a nós e todos os Deuses. Tornar sagrado quer dizer exatamente isso – criar o Sagrado com o Mistério.

Uma prece:

“Eu habito a Casa dos Espíritos – sempre e para sempre.

Primeiro, rezo a meu próprio Eu Sagrado, e para o Deus que Coroa minhas Almas – que eu conheça meu mistério e beba fundo em minha fonte.

Rezo também para os Grandes Espíritos que me circundam em aliança – que trabalhemos juntos em Amor, Verdade e Sabedoria, para revelar e festejar a beleza do paraíso juntos.

Rezo à Deusa Infinita, a Avó do Espaço Sem Alento e da Hora da Meia-Noite, rezo para a Tecelã para que o Inefável esteja bem e eu esteja bem com o Inefável.”

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