Mês: setembro 2015

Horário ou anti-horário? Para que lado eu giro?

Sofro de uma angústia terrível com uma prática muito comum da bruxaria e da Wicca aqui no Brasil, com a qual, pessoalmente, não consigo ficar em paz ou entender.

Estou ruminando essa série de postagens há anos, porque minha angústia com o assunto é visceral e sei que vou propor aqui é um desafio à forma de pensar e praticar, mas não deveria ser.

Tendo tido a maior parte do meu treinamento e experiência mágicos no hemisfério norte, tudo fazia sentido natural. Girava-se e lançava-se um círculo no sentido horário (do sol) e o Ar ficava ao Leste, Fogo, ao Sul, Água ao Oeste e Terra, ao Norte. Bem como na maioria dos livros.

Bom, se entendemos que a bruxaria e o neopaganismo têm raízes nas práticas e tradições indígenas da Europa pré-cristã, faz sentido que a maior parte da literatura a respeito dessas tradições nos chegue desse continente e também dos EUA e Canadá que, por terem sido colonizados por ingleses, partilharam de muito do conhecimento oculto que foi escarafunchado, praticado e difundido na época vitoriana.

Certo.

Mas e como ficamos nós, bruxos que praticamos essas técnicas e religiosidade no hemisfério onde tudo fica ao contrário? Sim, porque não são apenas os rituais sazonais que ficam invertidos, (enquanto meus irmãos em Chicago se preparam para celebrar o outono, a gente aqui está chegando na primavera. E quando eles forem dar boas vindas ao inverno em dezembro, estarei suando em bicas com o verão), mas a maioria das correntes energéticas flui ao contrário, não só pelo efeito coriolis, observável nos vórtices de água e muitas vezes na descarga do vaso sanitário, mas pela própria direção na qual se move o sol.

Nosso sol sempre vai nascer ao leste e se pôr no oeste. Fato. Porém, contudo, todavia, entretanto, o percurso do ângulo que ele usa para chegar de um lado a outro é oposto dependendo do hemisfério no qual a gente se encontra.  Se você não estiver exatamente no Equador, ou no grau 22º (Sul no solstício de verão do hemisfério sul, e Norte, no do norte) o sol não passa exatamente a pino por cima da sua cabeça, mas tende à uma inclinação para o horizonte – quanto mais longe do equador você estiver, mais óbvia essa inclinação e mais baixa).

A regra é: o sol sempre vai fazer o percurso de leste a oeste pendendo para a direção da linha do equador. Portanto, se você mora no hemisfério norte, o sol vai rumar de leste a oeste passando pelo SUL. Dando a sensação daquilo que chamamos e conhecemos como “sentido horário”, que é o sentido do relógio – um apetrecho para medir o tempo inventado por europeus por que era o sentido que a sombra se movia no relógio de sol que eles usavam LÁ.

Agora, se você mora no hemisfério sul, o sol vai rumar de leste a oeste passando pelo NORTE. Dando a sensação do que chamamos e conhecemos como “sentido anti-horário”.

Qualquer arquiteto pode confirmar isso para você. Aqui no Brasil, se a gente quer uma casa bem iluminada, há que ter uma face norte com janelas. No Canadá, se suas janelas forem na face norte da casa, você não vê o sol nunca. Ponto final. Isso não é achismo, é astronomia e geografia.

Voltando à bruxaria, Pagãos adoram usar os termos antigos em gaélico ou saxão (baixo alemão antigo). Nessas línguas, que são tradição na Wicca e bastante usadas na bruxaria, usa-se as expressões Deosil e Widdershins para denotar as direções possíveis para lançarmos um círculo e nos movimentarmos nele.

Deosil quer dizer “sunwise” = na direção do sol (vem da mesma raiz do latim “dexter” – destro)

Widdershins quer dizer “lado contrário”.

Quando voltei dos EUA para o Brasil, não consegui praticar magia e fazer nenhum ritual por um bom tempo. Além da necessidade de me reambientar e readaptar, também não conseguia usar nada nórdico aqui, porque não fazia sentido no meu corpo e no meu trabalho mágico.

Minha religião é da terra, do chão, do lugar e do território onde estou. Minha magia também. Como bruxa, é assim que eu me entendo, eu me conecto com o planeta e suas forças naturais no local onde me encontro. Isso é mais forte do que qualquer ideia teórica pra mim.

Constatando que boa maioria dos bruxos brasileiros não arrisca fazer nada diferente do que dizem as bases nórdicas (de um sistema descoberto e convencionado porque funciona no local onde foram criados, no norte), fui em busca de outros bruxos de tradições nórdicas que trabalham e vivenciam essas tradições no sul – ou seja, australianos, sul-africanos e neozelandeses.

E… tá dá!!!! ELES INVERTEM TUDO.

Observe que eles são ingleses de origem e não tem o menor pudor em bagunçar o coreto. Eles não ficam cheios de nove horas ou de dedos para mexer e alterar ideias originárias de uma localidade outra, que claramente não se aplica ao ponto onde estão. Eles são da minha turma. 😉

Foi um alívio tremendo para mim. E algo que verifiquei não apenas em websites, mas livros escritos por bruxos australianos (sem contar os bruxos europeus que mencionam o tempo todo que no hemisfério sul as coisas são invertidas).

Então, se você é um buscador ou buscadora no Brasil, e não está contente em seguir uma regra apenas porque ela se insere em uma sólida egrégora estabelecida, mas quer mais é se conectar com as forças e correntes energéticas valorizando o ponto no planeta onde você trabalha e chama de casa, eu o convido a se juntar à turma que inverte a regra básica para adequar ao lugar que vive.

A direção para a qual a bruxa/bruxo/mago se move em um ritual é muito importante para o tipo de trabalho e energia que se busca, então a ideia é mover-se deosil, com o Sol (no caso brasileiro, anti-horário) para invocar, aumentar a energia, acrescer e entrar em contato com a potência da vida; e contra o Sol, (para nós, o horário), para banir, minguar a energia, encerrar um ritual, ou decrescer algo.

Seguindo esse mesmo sistema, algumas das correspondências de direções também se invertem, para manter a ordem fluída da energia e dos elementos, mas esse é assunto para outro post.

Encerro com a letra e um link para a belíssima canção da australiana Wendy Rule, que vem ainda com a observação entre parênteses. Traduções mais abaixo.

THE CIRCLE SONG ( Do álbum Wolf Sky)

The East the air the sword the mind

The gate that leaves the night behind

The North the sun the flame the fire

The gateway to our souls’ desire

The West the womb the water’s flow

The gateway to the world below

The South the star the silent Earth

The gateway to our souls’ rebirth

(This song casts circle in the Southern hemisphere.

For Northern hemisphere, switch Fire to South,

and Earth to North.)

“A canção do círculo

O Leste o ar a espada a mente

O portal que deixa a noite para trás

 O Norte o sol a chama o fogo

O portal para o desejo da nossa alma

O Oeste o ventre o fluxo d’água

O portal para o mundo abaixo

 O Sul a estrela a Terra silenciosa

O portal para o renascimento da alma

(Esta canção lança o círculo no Hemisfério Sul. Para o Hemisfério Norte, troque o fogo para o Sul e a terra para o Norte.)”