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A bruxaria é antiga

England_2015 (247)A bruxaria é antiga. Ela nasceu da curiosidade humana de buscar alcançar o mesmo conhecimento e a capacidade dos Deuses. É filha da desobediência, filha da necessidade – nascida do encontro com o outro e o outro mundo, tudo aquilo que não é nós, aquilo que vai além dos sentidos ordinários, mas que era visto, vivenciado e honrado antes de virar proibido. Antes de virar pecado. Antes de pararmos de enxergar. Antes de deixar de ser compreendido pelo próprio afastamento da experiência humana.

A bruxaria é antiga. Ela desperta sentidos adormecidos ou é despertada em nós porque os sentidos adormecidos acordam de repente. Ela abre a visão, a audição, o tato, e principalmente a compreensão de que não estamos sós, que não fomos abandonados, não somos separados do mundo natural, do encanto, e principalmente que não precisamos de redenção alguma.

A bruxaria é antiga. Sabe usar o que há e o que é possível, o corpo, o ambiente, a casa. Cuspe, osso, folha. Água, sol, lágrima. Urina, pano, barro. Caldeirão, faca, vassoura, cálice, prato, pilão e espelho. O que é possível e passível de se disfarçar, pois a bruxaria enxerga os perigos, e fala em silêncios, em sinais, em murmúrios. Anda pelo escuro e se move sem provocar ruído. Sabe não chamar a atenção quando essa atenção é perigosa e pode levar à fogueira, ou à fogueira das vaidades.

A bruxaria é antiga e é não-binária, transita entre polaridades. Sendo selvagem, não determina o tom, nem cobra que você se posicione rigidamente – como se fosse possível lhe colocar inteiro em uma caixinha. Tudo cabe, toda chama cabe. Se te arde o espírito, você é dela, e ela é sua, mesmo que você não faça nada, mas é melhor se fizer.

19121648_307273559699522_4339839048429338624_nA bruxaria é antiga e ela em si não dá regras, exceto aquelas que cada um encontra no seu caminho particular com os Deuses, os espíritos e os encantados. Aquelas que vêm do aprendizado, do tombo, do erro, da atenção, da revelação e das leis do retorno.

A bruxaria não é elitista, não demanda livros, não demanda iniciações pagas, viagem a lugares sagrados nem retiros em spas do espírito. Mas ela é plural e sempre pode se beneficiar muito de várias dessas coisas.

A bruxaria é antiga, tão antiga que é ancestral. Nascida do desespero de não ser ouvido, de não ter justiça humana que ajude, de não encontrar meio mundano de tocar a vida para frente ou superar a adversidade. Ela é nascida da celebração do pacto do visível com o invisível e da necessidade de partilhar com o invisível porque a vida é mais e a vida pede.

Ela é Arte, ela é Ofício, ela é Religião, ela é Feitiçaria, ela é Espiritualidade, e também pode não ser nada disso. A bruxaria não pode ser domesticada, ela não se curva a rótulos ou a regras que venham de fora da tradição a qual você pertence. Ela não suporta a perseguição religiosa contra a liberdade de crença e de prática, muito menos quando é empunhada por filhos seus que, num enlevo de soberba, usam de deboche e escárnio para diminuir e difamar quaisquer outras vertentes e práticas que difiram da sua. Ela é um fogo, um dom que é presente dos Deuses. E os Deuses não costumam tolerar a intolerância de alguns de seus filhos para com os outros.

Ela pode ser xamânica, extática, hereditária, wiccana, heathen, nórdica, gentia, natural, cigana, tradicional, moderna, luciferiana, cerimonial, umbandista, espiritista, druídica, contemporânea, possessória, ela é de quem quiser ser dela, de quem arde com ela, de quem dança com ela, de quem deseja arriscar chamar a si de bruxo e carregar sua marca indelével e inconfundível.

Bruxaria não tem dono. Ela é tão antiga quanto a humanidade, não é um nome com marca registrada.

A bruxaria é herege e libertária. Pelos Deuses, que ela continue assim.

 

Águas de fontes e rios sagrados

A água é um elemento presente demais nas nossas vidas. Bebemos água, tomamos banho, lavamos as mãos, usamos o vaso sanitário e damos descarga, choramos, lavamos roupa, caminhamos na chuva, ficamos admirados com fotos poéticas de mar, de rio e de cataratas, sonhamos com praias, piscinas ou cachoeiras.

A água exerce um fascínio sobre nós. É fonte de vida, de purificação, de prazer e também de morte. A água afoga ou a água toma e destrói o que está em seu caminho quando há enchente, enxurrada, tsunami, além de nos desesperar por sua falta – seja por causas naturais ou irresponsabilidade humana.

Com tamanha força e presença em nossas vidas, não admira que ao longo da história tenham havido tantos poços, fontes e rios considerados sagrados por diversas culturas. Pela nossa desconexão moderna, vários deles foram esquecidos em sua sacralidade e servem apenas de fonte natural de recursos para nós. Sabemos se o rio Doce que morreu em 2015 pela tragédia e negligência da Samarco não era sagrado e celebrado por populações indígenas? Sabemos de sua importância para as populações ribeirinhas e como fonte de abastecimento de muitas comunidades, mas e como fonte devocional mesmo? O que sabemos sobre esse rio e tantos outros rios brasileiros?

Quem guarda essa informação são os povos nativos, já que a maioria dos locais sagrados para eles estão relacionados a mitos de origem e narrativas históricas. São locais onde ocorreram fatos ligados à criação da humanidade e a origem das etnias. Como é o caso, por exemplo da Cachoeira de Iauretê, no Amapá.

Embora os católicos se utilizem de água benta, e mesmo os protestantes usem água em batismos e outros rituais, os países ocidentais parecem ter perdido esse respeito e amor por um recurso tão importante, mesmo que para os povos do deserto – de onde surgiu a fé cristã –, fontes, rios e oásis eram sim algo muito especial e considerados presentes divinos. Felizmente há algumas fontes ligadas a nomes de santos, e esses locais mantém esse ar místico e transcendental que a água sempre teve.

É comprovado que a água de alguns locais é sim dotada de propriedades curativas especiais, e histórias de todos os tempos refletem milagres e curas ocorridos para gente que consumiu ou se banhou em certas águas. Com essas águas testadas, e verificado seus teores minerais, nosso capitalismo tratou de engarrafá-las para vender como água pura da fonte ou construir ali spas de águas terapêuticas, às quais só se tem acesso ao frequentarmos o local e, claro, pagando um preço.

September 27 2010 One CTA Card in the Fountain
Piscina decorativa na base da escada da Harold Washington Library em Chicago. Moedas e até um cartão de ônibus.

A ideia do poço dos desejos, que pede apenas uma moeda para satisfazer nossos pedidos mais profundos, seja por brincadeira ou superstição, ainda se mantém, e mesmo em prédios públicos as pessoas por vezes insistem em jogar moedas em algum chafariz existente. É o caso da piscina decorativa ao pé da escada da Harold Washington Library em Chicago, onde as pessoas insistem em jogar não só moedas, mas até cartão de passe de ônibus e metrô.

 

Também há lendas de fontes malignas, que traziam doenças a quem dali bebesse, e cujo espírito enviava maldições aos nomes cantados às suas margens. A água é ambígua, e isso acrescenta a seu mistério.

Por sua qualidade que dá e tira a vida, a água é um dos símbolos mais antigos de tudo que é fora do plano material, tudo que é além do visível. É um meio de contato com os espíritos e um meio de receber bênçãos do além. Os mares, chuvas e rios precisavam ser propiciados e acalmados para que nos fossem benevolentes em nossas viagens e travessias, pois a água sempre guardou o desconhecido e deve ser tratada, no mínimo, com muito respeito.

Em culturas de países mais antigos, é notável a presença e a memória dessas águas sagradas, embora muito também haja se perdido. A mania das metrópoles em cobrir seus rios e córregos para esconder o uso a que foram relegados – como esgoto – nos afasta ainda mais da presença da água e nossa responsabilidade sobre esse recurso de que tanto necessitamos.

Quando se viaja, especialmente em busca de lugares espirituais para nós, é comum a visita a lugares de águas sagradas, e, apesar de todos os obstáculos da inspeção alfandegária, também é comum que o viajante traga um pouco dessa água santa de volta para sua casa.

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no Pueblo de Taos, o rio sagrado não pode ser nem tocado por quem não é da reserva.

Há rios sacros que são intocáveis por quem não é dali, como o Blue Lake do povo Pueblo em Taos no Novo México, EUA. Eles acreditam que seu povo se originou do lago, e conseguiram que o governo lhes devolvesse o local, para que os indígenas tivessem acesso irrestrito. O rio Pueblo, que corre em meio à reserva que podemos visitar, nasce nesse lago e é proibido aos visitantes sequer tocar naquela água.

 

O lago Titicaca no Peru é considerado um lago de águas mágicas. Esconde um sem fim de enigmas, histórias e lendas ligados ao misticismo xamânico, à cosmologia inca e à magia. Até o contorno do lago lembra o de um dos animais sagrados para os incas, o puma. O lago também é visto como uma divindade propriamente dita, Mamakhota.

O rio Ganges, na Índia, é o mais venerado do mundo, considerado pelos hindus uma divindade materna, é usado para tudo. Como banheiro, para cremar os mortos ritualisticamente, para se banhar e expiar suas impurezas… é um rio com partes muito poluídas (embora isso em nada pareça deter o fervor dos hindus dedicados), mas com outras de água ainda muito pura. Quem visita conta que é possível pegar dessa água junto à nascente. Tenho uma amiga que guarda uma garrafinha dessa água na geladeira há nove anos. Desde que trouxe de uma viagem.

Essa é outra característica fascinante dessas águas… parecem não sofrer a deterioração comum de outras águas. Algo há… que nove anos depois, a água não tenha mudado nem de gosto, nem de cheiro. Permanece como deve ser, insípida, inodora e incolor.

A Fonte Vermelha e a Fonte Branca ao pé do Tor

England_2015 (178)Em 2015, tive a oportunidade de visitar Glastonbury, uma cidade inglesa que tem lendas e histórias fascinantes. Realmente é um local muito, muito especial, já que ali é a entrada para Avalon. O Tor, o morro de “Ynis Vitrin”, a ilha de vidro, é dominante na paisagem. E a seu pé, nascem duas fontes. A mais famosa é Chalice Well (Fonte do Cálice), sagrada por ser reconhecidamente um local de fortíssima energia da Deusa, uma força feminina que imbui toda a região do poço e seus jardins, onde se pode passar horas relaxando e aproveitando a energia, além de beber da água e lavar-se com ela.

England_2015 (166)Chalice Well apesar de muito anterior ao cristianismo, também entrou no imaginário cristão pois dizem que foi ali que José de Arimateia teria enterrado o santo graal, e, ao fazê-lo, ali brotou uma fonte de água com gosto de sangue. Isso é verdade, a água de Chalice Well tem gosto de sangue, por ser de teor de ferro altíssimo. Nada mais apropriado para uma fonte da força divina feminina do que uma água que tem gosto de sangue, algo com que as mulheres lidam todos os meses. Não só ela tem o gosto, como também é avermelhada e tinge tudo por onde passa, deixando um rastro vermelho em seu percurso, assim também é conhecida como a Fonte Vermelha.England_2015 (164)

Tenho um amigo americano, com o qual perdi contato, que era HIV positivo. Ele ficou anos fazendo treinamento com sacerdotisas em alguma tradição em Glastonbury. Ficou bebendo da água e também fazia monitoramento sanguíneo enquanto esteve lá e depois de retornar. Ele contava que seus índices virais haviam caído de forma vertiginosa, que deixava os médicos americanos embasbacados.

Fiquei hospedada de frente para Chalice Well, enxergava seus jardins da varanda do quarto de nosso Bed & Breakfast. Todos os dias, a qualquer horário, via pessoas que traziam garrafas para buscar a água. Para entrar nos jardins é preciso pagar um valor que fica para a fundação de Chalice Well, porém há uma bica externa ao muro, com acesso livre a qualquer horário. Foi lá que enchi duas garrafas da sagrada água para trazer para casa.

Do outro lado da rua, ou seja, a questão de vinte metros, e também ao pé do Tor, nasce outra fonte: The White Spring. A Fonte Branca tem bem menos ferro, portanto o gosto é com certeza mais palatável, mas é rica em calcário. Por seu sabor mais agradável, foi usada por um tempo como a fonte oficial da cidade, e em sua nascente foi erigida uma construção para conter as cisternas. Dentro é proibido tirar fotos. O ambiente é marcadamente distinto de Chalice Well. É um prédio escuro, úmido, com o ruído da água e uma atmosfera espiritual que remete mais a um templo. É um templo. E ali não há fundação mantenedora, mas um grupo de voluntários que abre a fonte à tarde para visitação pública. Há incenso queimando, velas, altares. Aliás, dois grandes, um para o Deus Cornífero, e outro para a Deusa Mãe. Ficam diametralmente opostos. Andar ali dentro é andar pisando em águas… é bastante mágica a experiência. E completamente diferente da que se tem do outro lado da rua na fonte feminina. A White Spring, tem uma sensação de elevação, algo que nos puxa para cima, que relaxa ao se derramar sobre nós, ao contrário da gravidade reforçada e amorosa que sobe da terra para nos envolver e acolher em Chalice Well. Ali também é possível se banhar e fazer rituais. O grupo de voluntários também conduz rituais ocasionais no local. E, como na outra fonte, há uma bica externa, onde eu enchia minhas garrafas de água diariamente para beber ao longo das muitas caminhadas e passeios.

England_2015 (163)Por ser rica demais em calcário, a cisterna foi desativada porque os canos  constantemente entupiam. Então a fonte foi aposentada no seu papel de abastecimento de água da cidade, e o local permaneceu fechado até o grupo de voluntários assumir.

Por ser rica demais em calcário, a White Spring, deixa um rastro – adivinhe – branco por onde passa.

Não é a coisa mais incrível, fantástica e sagrada? Duas fontes, distantes coisa de vinte metros, deixarem rastros diferentes e tão simbólicos por onde passam? E também descobri que as duas águas se unem em canais subterrâneos e, juntas, abastecem a água do lago que fica dentro da propriedade da abadia de Glastonbury Abbey, que existiu desde o século V e chegou a ser a abadia mais rica e poderosa da Inglaterra até ser destruída por Henrique VIII. (Reza a lenda que o Rei Artur foi enterrado lá com Guinevere).

Usando a água sagrada em casa

Eu também trouxe uma garrafa dessa água da Fonte Branca, e está feliz e linda, junto com a água vermelhinha de Chalice Well na minha geladeira há quase seis meses. Porém, como são garrafas grandes (sim, eu arrisquei mesmo com a alfândega e trouxe no total três litros de água dentro da mala), ocupam espaço, e meu marido anda reclamando.

Então… uma inspiração minha foi de guardar e poder usar essa água em sprays. Uma mistura sagrada para borrifar na aura ou no ambiente, para limpeza e bênção. Optei por combinar com óleos essenciais de acordo com a vibração e efeito que estou buscando.

spraysCriei quatro vidros por enquanto. Alguns com pura água, óleos essenciais e glicerina vegetal, outros com mistura de águas da fonte branca ou da vermelha de Glastonbury
com água desmineralizada e até um pouco de álcool de cereais para ajudar na conservação e evaporação na hora de aplicar.

A água da chuva de dias sagrados na roda do ano é considerada sacra também. É comum coletar essa água e guardar em garrafinhas para usaagua white springr depois em feitiços, talismãs e bênçãos. Outra ideia é guardar água do mar de uma praia muito limpa. O uso é um pouco diferente, por ter sal, ela é basicamente purificadora. Tenho uma garrafa de água do Mariscal, SC há três anos comigo. Segue ótima.

Se você também tem águas sagradas guardadas a sete chaves em algum lugar da sua geladeira e curtiu a ideia de fazer um spray com elas, segue a receita:

Spray para aura ou ambiente

*1 vidro para 120 ml de líquido, com spray

*30 gotas de óleo essencial (boas combinações espirituais e sensoriais são lavanda com olíbano, sândalo com ylang ylang, vetiver com neroli e palmarosa)

*2 colheres de sopa de álcool de cereais ou vodka

*½ colher de chá de glicerina vegetal

* água sagrada ou água desmineralizada (ou uma combinação destas) <120ml, para completar o vidro.

Cristais de água

Masaru Emoto é o japonês que fotografa moléculas de águas congeladas. O trabalho dele é fascinante. Ele não só compara moléculas de água de fontes sagradas do mundo com águas comuns ou até poluídas, mas também compara moléculas do mesmo copo de água antes e depois de receberem uma oração, por exemplo. É impressionante as alterações moleculares que ocorrem sob a ação de sentimentos humanos (eu te amo, eu te odeio), estilos musicais, ou preces de qualquer tipo, rabinos, sufis, cristãos, budistas, e reiki, por exemplo. Considerando que nossos corpos e nosso planeta são compostos de 80% de água, imagine que tipo e força de ação nossos pensamentos individuais e coletivos podem ter sobre essa substância!

Isso também quer dizer que toda e qualquer água pode ser sacralizada ou benta. E é isso que devemos fazer. Abençoar o copo que bebemos, abençoar nosso corpo, enviar sentimentos de amor e bênção às águas que nos rodeiam, mesmo as mais poluídas. Imagine o espírito do rio Tietê… como precisa de atenção e encorajamento.

Um mapa de nossas águas sagradas

Em um país jovem e inconsciente como o nosso, onde ninguém consultou os habitantes nativos e onde, para homenagear e peticionar orixás (que são deuses importados, embora já muito arraigados por aqui), as pessoas entopem o oceano e os rios com material plástico, cabe a nós redescobrirmos e retomarmos o hábito de fazer oferendas naturais, peregrinações e devoções às águas sagradas que existem no nosso território. Eu adoraria que nos lançássemos em uma campanha de pesquisa e busca desses locais. E adoraria que quem já tem algum conhecimento sobre isso ajudasse, apontando suas descobertas aqui em comentários ou em outro lugar! Vamos fazer um mapa de nossos tesouros abençoados aquáticos brasileiros?